sábado, 12 de abril de 2008

2. Direito e Interpretação - Kafka e o Direito

2. Direito e Interpretação

A interpretação das leis é um dos pontos complicados do Direito na sua formulação de ciência positiva, pois se tem de levar em consideração o sujeito que a interpreta. A ciência positiva buscou a retirada do sujeito da ciência, para tornar o objeto livre de influências ideológicas. Assim poderia ter o status de pura ou neutra.
No pequeno texto “Sobre a questão das leis” Kafka diz que há diversas possibilidades de se interpretar uma lei. Porém essa diversidade é restringida, pois nem todas as pessoas podem interpretá-la. O povo não pode interpretar a lei, mas somente aqueles que a fazem, a nobreza. Diz Kafka: “Não penso aqui nas diversas possibilidades de interpretação nem nas desvantagens que se derivam de que algumas pessoas, e não todo o povo, possam participar da interpretação”[1].
Hans Kelsen que formulou um modelo de Direito com base nos padrões de uma ciência positiva, não conseguiu escapar dos problemas da interpretação. Kelsen irá afirmar que existem diversos tipos de interpretações possíveis para uma lei, não existindo uma mais certa que outra. Utiliza-se da figura da moldura da lei para explicar como a lei baliza o conteúdo, mas não pode determinar o sentido.
Nas palavras do próprio Kelsen: “Se por interpretação se entende a fixação por via cognocitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e, consequentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro desta moldura existem. Sendo assim a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que – na medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar – têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato do órgão aplicador do direito – no ato do tribunal, especialmente”[2].
Se há diversas possibilidades de interpretação para Kelsen e para Kafka, quem restringe as possibilidades é a figura do interprete. Em ambos quem exerce essa função é quem tem o poder de fazer as leis. A “interpretação autorizada” de Kelsen é feita pelo tribunal. A interpretação que vai ser aceita é para Kafka, a interpretação da nobreza. É ela que restringe os diversos sentidos possíveis de uma lei. Diz Kafka: “As leis são tão antigas que os séculos contribuíram para sua interpretação e esta interpretação já se tornou lei também, mas as liberdades possíveis a respeito da interpretação, mesmo que ainda subsistam, acham-se muito restringidas”[3].
Kafka apresenta um fenômeno interessante que é da própria interpretação se tornar lei. Isso é corrente no direito de influência romana, que está pautado em códigos escritos e que tem nos tribunais não só um órgão de julgamento, mas de consolidação de decisões. No Brasil isso ocorre com as súmulas, orientações jurisprudenciais, instruções normativas dos tribunais. Mesmo não sendo leis no sentido estrito, esses documentos com caráter normativo, acabam direcionando ou mesmo vinculando uma interpretação.

[1] KAFKA, Franz. Sobre a questão das leis.
[2] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. P, 476.
[3] KAFKA, Franz. Sobre a questão das leis.

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