sábado, 12 de abril de 2008

5. Questão da Justiça - Kafka e o Direito

5. Questão da Justiça

É possível através de Kafka pensar sobre a Justiça em pelo menos dois sentidos: Justiça como órgão judiciário de decisões processuais e Justiça como sentimento. No segundo sentido é possível encontrar textos tratando da Justiça não só no âmbito jurídico, mas também no âmbito pessoal, como no “Veredicto”, em que um pai julga o filho e este se auto-condena com o enforcamento.
O que nos interessa aqui é a intersecção dos dois sentidos de Justiça, ou seja, o sentimento de Justiça frente aos órgãos judiciários de decisão (tribunais, juízes, executores de sentença, etc..).
No drama a “Colônia Penal” o sentimento de justiça frente ao órgão executor das sentenças, está o tempo todo presente. O condenado a sentença não sabe de sua sentença, não há averiguação dos fatos, não há possibilidade de defesa. O condenado não tem o sentimento de que não se está fazendo justiça, pois nem ao menos conhece seu provável destino, a morte. O sentimento de injustiça surge no próprio executor da sentença (oficial), e na pessoa que iria assistir a execução (o explorador). Esse explorador que era um estrangeiro fora designado para opinar sobre o procedimento, ao ouvir as explicações de como funciona a máquina que aplica a sentença escrevendo-a no corpo do condenando, não se furta de pensar consigo: “A injustiça do processo e a desumanidade da execução estavam fora de dúvida”[1].
O procedimento de execução através de uma complexa máquina que no fim de 12 horas de suplício, transpassava o corpo do condenado, levando-o a morte, tornara-se injusto por ser desaprovado por um grande número de pessoas. O “oficial” conta que anos antes, o mesmo procedimento era tido como respeitável e que pessoas disputavam um lugar na platéia para assisti-lo. Era inclusive assistido por crianças, pois tinha como objetivo a educação pela pena. Kafka nos põe a pensar o que seria realmente esse sentimento de justiça, pois ele parece estar ligado ao que a sociedade espera do órgão judiciário.
A sociedade na época áurea do procedimento executório feito pela máquina, ao ver um condenado morto, em sua grande maioria teria o sentimento que a justiça foi feita. Porém a sociedade do qual do qual o “explorador” fala, já entende o contrário. Isso não porque o método de execução mudou, nem suas práticas, mas sim porque há uma desaprovação social.
Kafka leva ao extremo a questão da justiça ao inverter os papéis do condenado e do executor da sentença. O “oficial” vendo que a máquina de sentença não tinha mais vez, e que todo o seu propósito de mantê-la era em vão, decide libertar o condenado. Não restando ao oficial saída, decide seguir as recomendações do comandante que criara a máquina e aplica a si mesmo a sentença: seja justo. Essa não chega a ser escrita em seu corpo, pois a máquina por falta de manutenção se desmonta. Máquina e seu último defensor acabam-se no mesmo ato, e é o fim de uma era. Um novo sentimento de justiça requereria um novo proceder dos órgãos judiciários, ou seja, da Justiça. Porém os sinais poderiam ser inversos, pois nesse caso uma alteração nos órgãos de justiça, também poderia levar à alteração no sentimento de justiça.
No conto o “Advogado de defesa” o narrador busca por um advogado em um prédio em que julga ser um tribunal, porém nem ao menos sabe se é um órgão de decisões jurídicas. A incerteza se aquele é um tribunal, se confunde com a incerteza de se alcançar a justiça como sentimento. Kafka ressalta no texto através da fala do personagem que um defensor era menos útil em um tribunal, do que fora dele. Isso porque no tribunal se presume que se está fazendo justiça, e essa presunção não corre fora dele. Dentro do tribunal se presume que se está fazendo justiça de acordo com a lei.
A fé no tribunal é necessária para se manter o sentimento de justiça. Assim diz Kafka: “Se alguém assumisse que aqui se procede com injustiça ou leviandade, não seria possível vida alguma, é preciso ter confiança no tribunal, que ele abre espaços para a majestade da lei, uma vez que essa é a única tarefa; mas a lei propriamente dita tudo é acusação, defesa e veredicto....”[2].
Um defensor é o que falta em diversas obras de Kafka, tornando a busca pela justiça ainda mais difícil. Na “Colônia Penal” e no “Processo” o acusado não tem um defensor em nenhum momento. No conto “Diante da lei” o camponês também não tem quem lhe auxilie para que ele alcance a lei. Por outro lado é em ambientes que não se espera a figura do defensor que Kafka surge com eles. No livro “América /Desaparecido”, o primeiro conto intitulado “O foguista”, narra a história de um foguista de um navio é defendido pelo protagonista (jovem imigrante alemão nos Estados Unidos), contra as injustiças do capitão. Sem um defensor é difícil se fazer justiça.

[1] KAFKA, Franz. A Colônia Penal. P, 47.
[2] KAFKA, Franz. Advogados de Defesa. P, 142.

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